Desde o fim da tarde de ontem, algumas centenas de contatos e notificações brotaram nas minhas redes. A origem era clara: um slide da palestra que dei no Forum Abcomm 2019, em Porto Alegre. As poucas linhas provocaram muitas fotos da plateia e mensagens de amigos que nem estavam lá: quem vende certeza, pode estar te vendendo placebo.
A provocação é sincera e proposital: é contraditório que, nos dias de hoje, abundantes em informações gratuitas sobre comportamento do consumidor, multidões disparem atrás de receitas fáceis, certezas absolutas e forminhas de biscoito para dar contornos a sua estratégia de comunicação digital. O número cabalístico de hashtags a serem usadas parece ser mais importante do que entender o sujeito que comprará – ou não – seu produto. Se é certo que os algoritmos das ferramentas são fundamentais em uma estratégia de engajamento, também é sabido que eles também são modulados a partir do comportamento humano. Ou seja: no final das contas, me parece uma péssima ideia entrar em uma festa com presente na mão sem saber direito quem é o aniversariante e nem o que está dentro do pacote.
A cultura da dica ainda será nossa ruína
Não me leve a mal, eu adoro uma dica genial sobre um assunto que domino com relativa propriedade. É como quando minha mãe me diz para colocar um pouco de água para hidratar a carne de porco quase esturricada na minha panela: a dica só vale se eu tenho o mínimo de noção de cozinha. A dica sábia da minha mãe vem preencher uma lacuna no meu conhecimento culinário. Mas não é disso que falo aqui.
A dica como produto cumpre um outro papel além da lacuna preenchida: ela traz a sensação de certeza. Coloque onze hashtags e tudo vai dar certo – não importa seu público, a qualidade e pertinência das hashtags, seu produto, os concorrentes e o momento em que o post é feito. A cabala da hashtag é amuleto e oferenda para um post de sucesso. Ela dá a sensação de certeza, de cura alcançada. Na minha casa, a gente chama isso de placebo.
Qual é a vantagem em consumir certezas embaladas, que limitam nossa visão? Talvez a paz de espírito, autoconfiança, um vai-que-dá que, na margem de erro, até pode dar certo de vez em quando. Mas até onde não procurar suas próprias certezas é uma estratégia sustentável para quem precisa gerar resultados? Quanto custa fazer o mesmo que todo mundo faz?
Combatendo a certeza limitante
Não há receita de bolo para combater a certeza limitante. Não se trata de outra certeza, “a verdadeira”, que a combata, e sim de abrir-se a uma multiplicidade de dúvidas que dão volumes, luz, sombra e perspectiva para as questões em jogo. Nesse sentido, ao elaborarmos nossa estratégia, talvez seja mais interessante que nos assumamos idiotas no assunto tratado, com um estranhamento positivo que pede mais informação, mais controvérsia, mais vozes diferentes para podermos compor um panorama mais rico e em eterno fervilhamento.
Para quem busca esse percurso de riqueza de perspectivas, a boa notícia é que a internet é generosa! Há muitos sites, relatórios e repositórios de tendências que podem ser consultados para começar a entender mais sobre seu público e, assim, contextualizar dicas recebidas e criar suas próprias práticas. Quer alguns exemplos?
Vou ter que ler isso tudo?
Bom, se você chegou até aqui, as chances são de que você enfrenta esse material todo com alguma graça e elegância. E o melhor: você provavelmente se transformou a partir de cada material lido e está muito melhor preparado para elaborar seus próprios caminhos em estratégia digital. Quem sabe você não me dá uma dica para escrever o próximo artigo?
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Por Melissa Lesnovski. Artigo originalmente publicado no Pulse, em 18/10/19.