É possível desenvolver a criatividade nas empresas? Quando fomos convidados a ver Tom Kelley no CEO Forum da Amcham Porto Alegre, não pensamos duas vezes.
Um dos autores centrais na metodologia do Design Thinking, ele é sócio na IDEO. A empresa revolucionou a maneira de resolver problemas através da perspectivas, ferramentas e processos naturais do design. Além disso, Kelly é um autor reconhecido de livros sobre criatividade.
Kelley começou a palestra com um português doce e surpreendente. Mesmo não indo além de algumas frases bem colocadas e pronunciadas, deu a primeira demonstração prática de um ensinamento poderoso da tarde, a empatia.
1. Tecnologia e humanidade andam juntas – a lição da empatia
Você pode ter produtos de altíssima tecnologia, com funcionamento sem igual na indústria. Contudo, se não tiver empatia com os futuros usuários ao projetar, certamente perderá ótimas oportunidades – e ganhará alguns dissabores.
Um navio pirata dentro de um hospital: GE Adventure Series
Kelley trouxe o exemplo de Doug Dietz, responsável na GE pelo projeto do equipamento de tomografia computadorizada e ressonância magnética para crianças.
Dietz notou, em uma visita de acompanhamento da performance do produto a um hospital, que as crianças ficavam apavoradas com o equipamento. E não sem razão: aquele túnel com barulhos estranhos transtornava tanto os pequenos pacientes que 80% dos casos requeria sedação para que a criança entrasse na máquina. Além do stress para os pequeninos, o hospital tinha prejuízos, pois era necessário refazer várias vezes o mesmo exame.
Perturbado, Dietz levou o caso a sua chefia, que o despachou para uma imersão na d.school de Stanford. Lá, em um programa de educação executiva, ele aprendeu a abordar problemas por uma perspectiva de design centrado no humano. Essa nova visão permitiu a ele projetar intervenções na máquina que a tornassem mais amigável às crianças. Foi aí, segundo Kelly, que a mágica aconteceu: Dietz encontrou sua confiança criativa.
Sabendo que as intervenções realizadas deveriam ter custo próximo de zero, Dietz projetou adesivos para a máquina que a transformassem em um navio pirata. Os adesivos cobriam o exterior da máquina e todas as superfícies na sala de exames: o equipamento, chão, teto e paredes.
As narrativas também são parte do design: um script especial foi criado para que os técnicos participassem da brincadeira conduzindo os pequenos pacientes por grandes aventuras. Instruções para que as crianças ficassem quietinhas durante o exame tornavam-se comandos para a brincadeira e tinham todo um significado dentro da narrativa. Até personagens foram criados para conectar os pequenos com a história.
Os resultados apareceram rapidamente: a taxa de sedações caiu para 10% e os pequenos vibravam com o exame – perguntavam, inclusive, quando poderiam fazê-lo de novo. Dietz foi além: para acalmar também os pais das crianças, borrifou aroma de piña colada (quem nunca?) na sala para evocar lembranças de relaxamento.
Como vimos, o mindset de Dietz foi mudado e ele encontrou sua confiança criativa graças ao conhecimento em design centrado no usuário que adquiriu. Se você quiser conhecer esse case em maior profundidade, clique aqui.
Onde anda Dietz hoje? Treinando outros colaboradores da GE tanto na área médica quanto em Design Thinking. E na sua empresa, como seria?
2. Prototipagem: a vida como uma série de experimentos
Todos sabemos que a maioria das empresas odeia incertezas. O mindset de negócios preza pelo acerto, condena o erro e aposta na máxima redução de riscos. O problema, segundo Kelley, é que essa atitude impede a inovação. A experimentação, orientada ao aprendizado e à evolução, não se trata de desperdício, pelo contrário. Está-se aproveitando ao máximo todo o potencial de ideias que podem levar a empresa muito além.
O segredo está em prototipar muito, prototipar rápido e de forma barata. Deve-se estruturar essa sequência de protótipos de forma que se possa aprender e evoluir a partir de cada tentativa.
(Sir) James Dyson: 5.128 protótipos para ser um dos homens mais ricos do Reino Unido
O número 5.128 pode parecer um pouco exagerado para a quantidade de protótipos de um produto. Mas é exatamente a quantidade de experimentações realizadas por James Dyson para seu aspirador de pó ciclônico. O resultado não deu apenas certo, como criou um produto revolucionário. Dyson optou por produzi-lo e tornou-se uma das maiores fortunas do Reino Unido. Inclusive, o empreendedor foi reconhecido pela inventividade associada à determinação em explorar alternativas.
Dyson criou uma fundação, em 2002, para amparar a educação em design e engenharia, encorajando jovens a pensar de forma diferente e – adivinhe – errar muito.
Depois dessa história inspiradora, que tal repensar a aversão ao erro dentro de sua equipe? A prototipagem pode ser realizada de forma rápida, barata e render muitos insights para seu projeto.
3. O poder de uma história bem contada
Aprendemos no mercado que o que vale são os dados e que histórias são, bem, bobagens inventadas. Kelley nos desafia a pensar diferente: para que os dados sejam interpretados corretamente, as histórias são necessárias. Os dados são rapidamente esquecidos. As histórias, por sua vez, grudam.
Kelley traz um exemplo conhecido de praticamente toda a audiência, tanto pelo filme que gerou quanto pela onipresença da história em nossas timelines no Facebook. A história, repassada ao longo de gerações no Japão, fala sobre o cachorro Hachiko, que tornou-se conhecido por esperar seu dono em uma estação de trem, todos os dias, enquanto este ia ao trabalho.
Com a morte do dono no trabalho, o cão continuou na estação, aguardando seu dono sob uma árvore e sendo alimentado por populares piedosos durante anos, até sua morte.
Os fatos frios mostram que trata-se da história de vida e morte de um cão. Mas as histórias são muito mais que isso: trata-se de uma narrativa sobre lealdade, perseverança, honra, valores caros ao povo japonês. A história sobrevive aos fatos e dá sentido a eles. A estátua em homenagem a Hachiko, na estação de Shibuya, representa e consolida a história.
Segundo Kelley, se temos os dados e uma mensagem, devemos envelopá-los em uma história. É a história que deve carregar a informação.
Quais são as histórias por trás de nossos produtos? Quando foi a última vez em que os departamentos de engenharia, marketing e comercial de sua empresa se reuniram para debater as histórias que seus produtos poderiam contar?
Enquanto isso, na Aldeia
Aqui na Aldeia somos bastante fãs da inovação orientada pelo design. Nascemos como um estúdio de design, lá em 1996, e nossos fundadores e principais executivos são oriundos de carreiras projetuais. Ao longo do tempo, a mentalidade de negócios que MBAs e outras formações executivas nos trouxeram um viés mais analítico. Nosso ponto de resistência ao mindset analítico sempre foi o fundamento no que se chama de UX, ou User Experience. Ela preza justamente pela empatia, prototipagem e storytelling em suas práticas.
Nos últimos anos, revisitamos a projetação por um viés bem mais amplo, e que terminou por renovar nossa prática. Adotamos o Design Estratégico como a perspectiva para abordar os desafios do cliente e incorporamos a metodologia do Design Thinking. O projeto de um portal, por exemplo, começa pelo entendimento das pessoas que o utilizarão. Esse entendimento, para nós, não nasce de uma planilha fria, e sim de contato olho no olho, entrevistas, dinâmicas e muita experimentação. Clientes como Sebrae-RS, Senar-RS, Springer Carrier e Sulgás apostaram nessa nova forma de projetar. Eles criaram, junto aos especialistas da Aldeia, portais que conectam gente a sistemas, informações e… mais gente.
Para nós, Kelley confirmou que o pensamento e a prática orientados pelo design são o melhor caminho para a inovação legítima e duradoura.
Que tal conversarmos sobre a construção das histórias de seus produtos?