O FIC – Festival de Interatividade e Comunicação – chega aos 15 anos mais relevante do que nunca. Com o tema A NOVA ORDEM DIGITAL, foram dois dias intensos onde cases essenciais, palestras imperdíveis e os assuntos do momento dominaram dois auditórios, o teatro e as rodas de conversa no saguão principal da Unisinos Porto Alegre.
Em uma edição comemorativa, o evento promovido pela Abradi-RS e Grupo Austral contou com a colaboração especial de um importante membro da família Aldeia. A nossa Diretora de Inovação, Melissa Lesnovski, foi curadora-chefe do FIC 2019, e montou uma programação que dialoga e expande os assuntos debatidos nos últimos três anos de festival. Foram três tracks para organizar a programação: conteúdo e engajamento, experiência e consumo, tecnologia e convergência. Para a Aldeia, que é co-fundadora da Abradi-RS, foi uma honra e alegria imensa fazer parte da construção desta edição do FIC, já considerada uma das melhores do evento – em pesquisa informal com participantes recorrentes.
Conteúdo e Engajamento
O festival já começa pegando carona com André Fran, da GloboNews, rumo aos destinos mais polêmicos do mundo. Nesta viagem, ele falou sobre sua trajetória e sobre alguns de seus trabalhos mais importantes. Entre eles, comentou sobre o programa “Que Mundo é Esse?”, que narra a realidade de países que se encontram em guerra, conflitos. Falou sobre como começou seus trabalhos com gravações, como chegou até aqui. Comentou ainda sobre como tudo isso mudou sua visão de mundo, fazendo com que ele pudesse estabelecer um olhar mais crítico sobre a sociedade. Como pano de fundo, a evolução do jornalismo com a facilidade e proximidade que o digital oferece. É a realidade do outro diretamente no seu celular. Nova ordem digital que chama, né?
Logo após, tivemos a musa da social media brasileira, Bia Granja, da Youpix, plataforma pioneira em “levar a sério” as redes sociais no Brasil. Como tema, a relevância dos influenciadores digitais e como fazer o match perfeito com a sua marca. “Com dinheiro compramos alcance, mas não relevância.” Milagres? Não trabalhamos! Bia deixou claro que a influência é uma consequência de um trabalho de criação de conteúdo autêntico, capaz de gerar mudanças de comportamento, ideias e ações. Deixando a teoria de lado e se aprofundando no dia a dia de quem trabalha com digital, ela apresentou um modelo prático do Funil da Marca, mostrando todas as etapas relevantes neste processo, como Awareness (onde a marca ainda precisa de visibilidade), Consideração (quando a marca apresenta seus diferenciais e valores para o mundo), Trial (quando oportunidades reais são estimuladas), Finalização (quando o objetivo é manter e intensificar o relacionamento que já surgiu entre marca e consumidor). Por essas e outras que Bia ainda é uma grande referência no universo de social media tupiniquim.
Joel Pinheiro da Fonseca, jornalista da Folha e da Exame, iniciou uma palestra pertinente sobre o papel das redes sociais no cenário político brasileiro em “Discutindo política no ‘amor’ das redes sociais”. O papel das fake news, a intolerância no ambiente digital, discursos de ódio. Realmente, o Brasil não é para amadores. Ele destacou a dificuldade que temos em aceitar opiniões contrárias. Se o outro pensa diferente de mim, se defende ou apoia o governo, ele só pode “ser um canalha, deve ser alguém muito baixo mesmo, e ter os piores interesses”, e portanto, a única reação possível é “desqualificar, quem sabe ofender, ou até produzir algum tipo de vergonha”. Afinal, quem está do lado certo? E qual seria o lado errado disso tudo? As redes sociais realmente afloram o nosso pior? O universo digital realmente mudou o nosso jeito de decidir em quem votar ou por qual motivo votar. Sem filtro, e com as fake news sempre à espreita, a solução é parcimônia e moderação ao apostar em fontes confiáveis e respirar fundo antes de soltar o seu ogro interior quando o seu “adversário” está do outro lado da tela do celular.
No segundo dia, Ivan Mizanzuk, do Anticast e Projeto Humanos, falou sobre a importância do storytelling para produzir conteúdo de qualidade e engajar com o público. No ar com o Anticast, criado em 2011, e na plataforma digital, Spotify, desde 2015, Ivan comanda um dos podcasts mais ouvidos no Brasil. Ao longo de sua trajetória, ele foi descobrindo as melhores práticas, foi se remodelando e assumindo o papel de comunicador. Sobre o Projeto Humanos, em sua quinta temporada com o “Caso Evandro”, além de retratar um panorama histórico a partir de um recorte singular da realidade, Ivan enfatizou que é preciso conectar, entreter e contar histórias da maneira certa, a fim de provocar reflexões de cunho social e despertar o melhoramento da sociedade. Storytelling também é intimamente ligado à nova ordem digital.
Já Luiza Fedrizzi, da Contagious, trouxe os 10 passos para marcas corajosas e uma série de provocações sobre os clichês da criatividade no mundo publicitário. Atualmente, falamos muito em inovação, em fomentar ideias fora da caixa, mas o medo de fazer e pensar diferente ainda gera impacto no posicionamento das empresas. Não há ousadia e todos acabam comunicando do mesmo jeito. A profissional também destacou a importância da transparência com o público e da relação de reciprocidade entre marca e consumidor. Luiza finalizou sua participação afirmando que é preciso dar algo em troca de engajamento, seja uma experiência, uma sensação ou um pouco de afeto.
Andando numa pegada mais marketeira, Felipe Oliva, da Squid, falou sobre Marketing de Influência e sua importância para humanizar ainda mais a comunicação das empresas por meio do uso de formadores de opinião. Especialista no assunto de desenvolvimento de estratégias para marketing on-line e offline, Felipe ressaltou que é preciso perceber que a jornada do consumidor mudou e que as vias tradicionais já não funcionam mais. Os influenciadores ajudaram a transformar a maneira como a comunicação e o conteúdo são pensados, mostrando que o trabalho vai muito além do alcance e da impressão. Ele ainda enfatiza que o influenciador age como empoderador da marca, criando estímulo de compra, educando sobre o produto, criando pontes com o consumidor, tirando dúvidas antes mesmo de chegar ao SAC e trazendo calor para a jornada que é naturalmente fria.
Experiência e Consumo
A sustentabilidade como o novo perfil de consumo e a responsabilidade social como compromisso. Ana Carolina Soutello, da Natura, trouxe ainda mais experiências importantes na palestra “Marcas com Propósito – qual o papel das marcas na construção de um mundo mais bonito”. Carolina destacou a importância de ter agilidade na hora de posicionar, mas o quanto é negativo se a mensagem for oportunista. “A empresa deve posicionar-se com firmeza e tentar convencer o consumidor de que é legal fazer o bem”. Outro ponto levantado por ela foi a necessidade de informar ao público porque a marca está entrando naquela causa e como ela faz sentido. Um exemplo foi a campanha “Coleção do Amor de Faces”, campanha que mostrou beijos apaixonados e cheios de carinho entre meninas e, sem nenhum investimento no Twitter, foi propagada por mais de 50 influenciadores importantes da rede social. Gerar identificação com o público ao defender uma causa, é essencial – manter uma posição firme e forte frente aos ataques e boicotes, também. “Não precisa ser a melhor empresa do mundo, mas ser a melhor empresa PARA o mundo”. Esse é o jeito Natura de ser!
E se o tema é como será o comportamento de consumo daqui para a frente, ninguém melhor que a Patrícia Sant’Anna, Founder e Chief Visionary Officer da Tendere, para assumir as picapes. Pati, para os íntimos como nós, é antropóloga, professora de moda e pesquisadora de tendências, apresentando a palestra “O futuro começa hoje: as transformações no consumo na contemporaneidade”. Saber sobre o passado é essencial para pensar o futuro. Entender o que está rolando em todos os cenários – inclusive o político, também é essencial até mesmo para realizar pesquisas de futuras tendências do mundo da moda. Entender o cenário econômico e as “novas economias” faz parte de tudo isso. Mas como assim, novas economias? Pati fala da Economia Circular e da Economia de Compartilhamento, que se configuram como novas formas de trocar, viver em sociedade e pensar o consumo. “Nunca foi tão necessário fazer estudos separados sobre comprador, consumidor e cliente”, fato! Se a ideia é pensar o novo mundo, a Geração Z não poderia ficar de fora. Independentes e com valores firmes, eles lutam por um futuro onde a sustentabilidade seja o caminho. As conversas são em memes, mas eles vão para as ruas também. Aqui, ela relembra a personalidade do momento, Greta Thunberg, que fala “O humano é que tem que mudar, não a natureza!” Um verdadeiro presente para todos que lotaram o teatro da Unisinos Porto Alegre. Transformações de comportamento são a base para a tal nova ordem digital.
Com o tema “O que mais vem por aí? Um olhar Antropológico”, Renata Zilse Borges, da Samsung, focou em desmistificar o Design Thinking e o novo condicionamento que está sendo criado nas empresas, como tratar comportamentos e pensamentos enraizados. Não podemos mais pensar em inovação como algo fechado. O negócio é importante, mas o equilíbrio entre usuário e inovação é fundamental. Ela também enfatizou que “por mais criativas que sejam algumas mudanças, elas geralmente são pautadas numa transição de comportamento já existente”, para atender à expectativas. Ex: loja virtual do Instagram, que surgiu da necessidade das pessoas que já faziam aquilo dentro da plataforma.
No dia seguinte, Andreza Delgado, criadora e produtora do PerifaCon, primeira comic con da favela, abordou o tema da periferia como foco central para o consumo, e a importância de projetos de representatividade para beneficiar e empoderar as regiões. Sobre a iniciativa, Andreza contou sobre o surgimento do projeto e como a ideia, que começou entre amigos, resultou em mais de sete mil pessoas participando do evento, que visa democratizar a cultura nerd, geek e pop na periferia. Ela ainda destacou que, o objetivo é coletivizar o conteúdo, misturar os universos e impactar a vida das pessoas.
Ainda sobre o consumo, o case da Urban Farmcy, apresentado pelo CEO, Tobias Chanan, trouxe como tema a relação com o alimento. Com a missão de informar sobre os avanços para redefinir a cadeia de produção de alimentos e compartilhar informações sobre o que está sendo consumido, Tobias destacou o que promete ser o ponto de partida para a mudança de consciência dos brasileiros. Ele ressaltou o trabalho que vem sendo realizado pela Urban Farmcy, para favorecer a saúde do alimento e aprimorar o consumo de qualidade. O CEO ainda afirmou que a empresa pretende incluir todos nessa causa com projetos para expandir o conhecimento do público como a plataforma Farmcy Academy, e a série documental, intitulada “O Que Você Vai Comer Amanhã?”
Já no ramo da tecnologia, mas não menos provocativo, Thiago Esser, da UXConf, apresentou sobre um assunto que está em alta e é bastante pesquisado na atualidade: Experiência de Usuário ou UX. E destacou que na era dos serviços ela precisa ser vista como mais do que a venda de um produto, equilibrando os aspectos práticos, significativos e valiosos para o usuário.
Tecnologia e Convergência
O case do Quinto Andar, startup que realmente inovou o mercado de aluguel de imóveis, foi apresentado por Arthur Malcon, gerente regional da empresa. O Faxina Boa, projeto de Veronica Oliveira, que dá mais voz e visibilidade no ambiente digital para profissionais que realizam serviços gerais, também ganhou destaque.
No auditório 2, duas palestras seguidas falando diretamente sobre A Nova Ordem Digital e seus contras e prós, respectivamente. Primeiro Ricardo Shuree, da Stefanini, com a questão “Todo mundo já sabe: é uma besteira achar que temos controle sobre nossos dados. Será mesmo?”. Depois Aline Vasquez, da Panvel, falando sobre “Os desafios de gerenciar a experiência do cliente em jornadas omnichannel”.
A responsa de abrir o segundo dia foi de um convidado de peso, que veio para colocar fogo no parquinho logo pela manhã. Leandro Demori, editor-executivo do The Intercept Brasil, trouxe a polêmica Vaza Jato como tema e destacou o problema como algo muito mais complexo do que essa narrativa do bem contra o mal. Ele ainda falou sobre as estratégias utilizadas na plataforma digital para divulgar notícias que, em 2019, tiveram proporções gigantescas. A partir de boas práticas jornalísticas, a equipe vem trabalhando para criar uma base de leitores legítimos sem depender de grandes plataformas ou players dominantes.
Trazendo a convergência mais voltada para o negócio, Rafael Sbarai, gerente de conteúdo de esporte da Globo, destacou os desafios de criar receita com conteúdo digital e orgânico, uma vez que pagamos pela experiência que a plataforma proporciona para o usuário. O produto deve ser pensando como conteúdo, mas também como formato, valor e business. Ele exemplificou as plataformas Netflix, Spotify e The New York Times, e destacou que todas, como empresas de comunicação, também precisam ser de tecnologia, pois não há mais como dissociá-la da mídia, principalmente na criação de conteúdo. Para isso, é preciso pensar em quatro pilares: user experience (Design & UX, Customer Relations), technology & data (Software engineering, Data & Analytics, Infrastructure), business ( Advertising Sales, Customer Sales and New Business Models) e jornalismo (Publication & Publishing).
Se o digital está em tudo, então tudo interessa
Foram dois dias para pensar sobre a nova ordem digital e o novo modelo de comunicar. A estratégia tradicional é literalmente patrolada pela transformação exponencial em temas como criação e produção de conteúdo, experiência do consumidor, inteligência artificial, convergência e comportamento humano. Bora tirar as ideias do papel e colocar tudo isso (ou um tantinho disso) em prática?