O Planner Summit 2017 nos encheu de entusiasmo pelo planejamento baseado em dados, diversidade e criatividade nas organizações. São duas coisas nas quais acreditamos com todas as nossas fibras. A sexta edição do principal evento de planejamento do Brasil, realizado pela Media Education em São Paulo, simplesmente lacrou. Os dois dias em que mergulhamos no evento calaram fundo em nossos corações e mentes. Esse texto não é um registro completo do evento, mas um conjunto de impressões e reflexões a partir dele.
Existe amor no Excel
Ao contrário da maioria das áreas da comunicação, não existe um padrão único para fazer planejamento. Formato, metodologia e ferramentas não são padronizadas, como é mais frequente na área de mídia, por exemplo. Cada agência encontra sua abordagem e sua linha condutora: criativa, baseada em pesquisa ou em métricas. O perfil do planejador ideal também não é unânime: sua formação não necessariamente é a publicidade. E isso é maravilhoso. (Aliás, a dinâmica de planejamento usando design thinking do workshop do Luiz Guimarães renderia outro post específico).
Ouvir essa visão de diversos profissionais experientes e que passaram pelas principais agências do país foi muito construtivo. Quando Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva, embasou e desenvolveu a sua fala “existe amor no Excel”, tivemos a certeza de que modelos como ~só a criatividade importa ou ~inove ou morra estão, definitivamente ultrapassados. É necessário estudar dados, planejar com base neles, enxergar as pessoas que compõem os números.
A estratificação de público mudou
O público já não pode mais ser extratificado só por critérios sócio-econômicos. Primeiro, porque o capital cultural está dissociado do capital financeiro. Segundo, porque personalidade das pessoas é plural, multifacetada. Elas estão (e não são) em camadas diferentes, dependendo das pessoas e situações, ou seja, do contexto. Atualmente, a segmentação tem mais a ver com identidade do que com renda. Algumas linhas de pesquisa apontam que a identidade das pessoas pode ser definida por 5 características: hobby, papel na família, trabalho, estilo de música e idade. Adicione aí a quantidade de combinações resultante de variações de gênero e orientação sexual para cada uma delas. Dá trabalho, é um paradigma a ser revisitado. Mas vale a pena.
A campanha All That We Share, da TV 2, da Dinamarca, é um belo exemplo. Ela pode ser entendida como segmentação de público por características não óbvias. Ou, ainda, temos mais em comum do que pensamos. Tudo bem que é na Dinamarca e não no Brasil… mesmo assim, a inspiração é válida.
O oposto de ofensivo não é chato
Quem disse isso foi Isabel Aquino, Diretora de Planejamento da Heads Propaganda. Sábias palavras.
“O politicamente correto está acabando com a publicidade. Não. É questão de respeito.”
(Renato Meirelles, Instituto Locomotiva)
Se você acha que o mundo está chato demais, talvez seja bom começar a repensar suas premissas. “Ah, mas fui criado sem esse mimimi de bullying, não tinha cinto de segurança, comia bala soft e não morri”. Só que esse tempo não existe mais, ele ficou no passado. Você não, até prova contrária. A humanidade caminha, o pensamento muda, a ciência avança. Em algumas partes do planeta, mais, em outras, menos. Você pode (e deve) transpor os melhores valores que aprendeu no passado para os dias de hoje. A realidade, contudo, se transforma – quer você goste ou não. Quanto e em quantos níveis o mundo mudou nos últimos 30, 20, 10 anos? É um movimento constante, histórico, que vem se acelerando exponencialmente.
Criar em publicidade do mesmo jeito que se criava há décadas soa tão inadequado quanto inocente. A comunicação está demorando demais a acompanhar essa evolução. Apesar dos novos meios, a maioria das mensagens segue cristalizada em padrões que não representam a realidade. São mensagens desconectadas da realidade atual e conectadas com um imaginário longínquo. E não, isso não é nada vintage.
Como pensar a diversidade num ambiente homogêneo
Cabelo colorido e óculos descolados não são diversidade. O perfil clássico de gente que trabalha em agência não representa a população brasileira. Pesquisas apontam maioria masculina, heterossexuais e classe AB em quase a totalidade das agências de comunicação brasileira. “Ué, mas o profissional de comunicação é treinado para ter empatia, para se conectar com o público-alvo”. Se é, não está funcionando. Quantas equipes de agência tem pessoas negras, pobres, gordas, trans, gays, lésbicas, com deficiência, mulheres no comando? O reflexo – em pleno 2017 – é que muitas equipes criam para si mesmas. Referências e piadas internas, para que outros entendidos reconheçam seu talento através de prêmios de criatividade. Via de regra, compromisso com o negócio do cliente e com a sociedade tem sido pouco priorizados.
Longe de ser histeria ativista, estudos demonstram esta realidade. Em outubro de 2015, foi publicada a pesquisa A presença dos negros nas agências de publicidade. Ela analisou as 50 maiores agências de publicidade do Brasil (ranking do IBOPE). Dentre outras, duas descobertas importantes: apenas 0,74% dos cargos de alta direção destas 50 agências são negras. Dentre as 10 primeiras do ranking, apenas 3,5% dos funcionários são negros. Veja alguns dados abaixo e tire suas próprias conclusões.
Criatividade e diversidade: uma combinação virtuosa
“Não consigo entender o estímulo à criatividade sem a diferença.” Nem nós. “O conflito é uma coisa boa, o antagonismo é rico. Precisa gostar de incomodar e ser incomodado.” Nós também pensamos assim. Obrigada, Ana Cortat.
A Aldeia é um ambiente heterogêneo por definição. A pluralidade é tão natural pra gente, que nunca foi relevante nos questionarmos se estávamos dentro ou fora dos padrões. Contratamos pessoas pela competência/potencial e não por gênero, raça, orientação sexual ou qualquer outro critério restritivo similar. Nosso time – corpo de sócios, equipe, parceiros – é composto por gente de todo tipo. Isso faz parte de nossas crenças desde sempre, não tem a ver com surfar na onda da diversidade. Acreditamos na força da diferença e na riqueza de resultados que ela é capaz de produzir.
Quando ouvimos o Ian Black relatar que tem agência pedindo ajuda pra montar equipes com mais representatividade foi absolutamente inesperado. A agência dele, a New Vegas, também é diversa por natureza. Então que seja esse o vetor da mudança, aprendendo com quem faz, questionando, levando pessoas para falar sobre suas experiências. Tomara que esse a passe a ser o novo panorama da maioria das agências, o mais breve possível. De-mo-rô.
Diversidade de dentro pra fora
É um bom começo ver campanhas tentando mudar os padrões vigentes de representatividade como temos visto no Brasil nos últimos anos. Algumas grandes marcas erram feio e outras acertam no tom. Algumas estão realmente empenhadas em externalizar pautas autênticas, que já estavam no DNA da marca. Outras, esbarram no erro de apropriação de causa. Mas a diversidade é só verniz, é só algo externo, entre a marca e seu consumidor? Não, se a marca realmente deseja fazer algo para transformar a sociedade ou, no mínimo, dialogar com ela, no momento presente. E nem precisa mudar o posicionamento para um perfil ativista, apenas se inserir num diálogo contemporâneo já basta. Fazer campanhas descoladas não é suficiente, talvez nem seja o melhor jeito de dialogar com a diversidade. Contratar gente diferente para formar suas equipes; promover o debate dentro da empresa; apoiar, com ações efetivas, pautas que sejam legítimas em seu contexto – isso sim é diversidade de dentro pra fora. Quando essa cultura chegar na camada de comunicação vai ser natural, verdadeiro.
Diversidade: uma missão para clientes e agências
Clientes e agências precisam internalizar isso de uma vez por todas. Propagandas com aquele estereótipo de família “comercial de margarina” não criam mais identificação com o público = não funcionam mais. Acabou a era da idealização, estamos na era da identificação. Evidências estão por toda parte. Escolas em todo o país estão substituindo comemorações de dia das mães e dia dos pais por dia da família. 54% da população brasileira é negra/parda: são 110 milhões de pessoas que consomem R$ 1 trilhão por ano. Segundo a pesquisa TODXS? – Uma análise da representatividade na publicidade brasileira, realizada pela agência Heads, 65% das mulheres negras não se sentem representadas nas propagandas. Elas não tem a aspiração “quero ser uma mulher branca”. Elas querem se ver nas propagandas como elas são. O perfil aspiracional, de Kotler, só vale para contextos específicos, não é mais regra universal.
Comunicação e impacto positivo
A comunicação pode ser bem mais do que uma ferramenta de marketing, do que peças incríveis e campanhas premiadas. Ela pode promover mudanças na sociedade de várias formas, inclusive através das marcas que influenciam pessoas com seu posicionamento e sua reputação.
Representatividade, construção de identidade e protagonismo não podem entrar e sair de pauta como se fossem modismo. A diversidade é uma realidade que precisa ser acolhida e multiplicada pelos profissionais de comunicação – especialmente para quem quer fazer alguma diferença no mundo. Nós queremos. Se você também pensa assim, entre com contato com a gente.
Por Tatiana Brugalli e Fabian Umpierre, com a colaboração de Tássia Porto.